CONVERSA FIADA"
23 de março de 2021, 17h44
O Habeas Corpus da defesa do ex-presidente Lula que discute a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no processo do tríplex no Guarujá (SP) não se baseia nas mensagens entre o ex-magistrado e procuradores que atuaram na "lava jato", mas sim em provas públicas e notórias. Dessa maneira, o HC pode ser usado para arguir a suspeição de juiz.
Com esses argumentos, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, rebateu nesta terça-feira o voto-vista do ministro Nunes Marques contra o pedido de suspeição de Moro. O julgamento na 2ª Turma da Corte foi definido pela ministra Cármen Lúcia. Ela votou em 2018 para rejeitar a suspeição do ex-juiz, mas mudou de entendimento, definindo o resultado do julgamento por 3 a 2 para declarar a suspeição de Moro.
Gilmar destacou que há diversos precedentes da 2ª Turma do STF sobre a possibilidade de se alegar quebra de imparcialidade via HC, desde que as provas estejam pré-constituídas — o que ocorreu no caso.
O ministro ressaltou que seu voto para declarar a parcialidade de Moro não se baseou nas mensagens hackeadas. "Não vamos ficar com conversa fiada. Não estamos aqui a falar de prova ilícita. Eu disse de maneira muito clara que trouxe isso [as mensagens] aqui para mostrar o barbarismo que vivemos. O meu voto está calcado nos elementos dos autos."
"Agora, esses fatos são historicamente relevantes. Não podemos dizer que não existiram. Ou os hackers são notórios ficcionistas", disse Gilmar.
O magistrado criticou o argumento de Nunes Marques de que, em nome do "garantismo", se deveria negar a suspeição de Moro. "A combinação de ações entre o Ministério Público e juiz encontra guarida em algum texto da Constituição? Pode-se fazer essa combinação? Isso não tem a ver com garantismo nem aqui nem no Piauí, ministro Kássio", declarou Gilmar, citando o estado de origem do mais novo integrante do Supremo.
Segundo Gilmar, a interceptação dos 25 advogados do escritório que defende Lula, noticiada pela ConJur em 2016, já seria suficiente para reconhecer a falta de imparcialidade do ex-juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.
"É possível dizer que em algum lugar em que impere o Estado democrático de Direito se possa ter esse tipo de prática? E que isso encontra abrigo na Constituição Federal de 1988? Nem o mais cínico dos autores poderia defender isso. É disso que estamos falando. Interceptação de advogado, continuidade de interceptação, acesso a conversas. E depois [Moro] diz que ainda não se permitiu vazar [as conversas]. É possível chancelar isso?", questionou.
"Atrás, muitas vezes, da técnica de não conhecimento de Habeas Corpus, se esconde um covarde. E Rui [Barbosa] falava: 'o bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde'", afirmou Gilmar.
Mensagens periciadas
Por sua vez, o ministro Ricardo Lewandowski deixou claro que as mensagens via Telegram entre Moro e procuradores da "lava jato" foram periciadas pela Polícia Federal. Tanto que serviram para denunciar os hackers. E ressaltou que os integrantes dos grupos de conversa disseram que os arquivos foram apagados — portanto, não seria possível fazer nova perícia.
Lewandowski também pontuou que nenhum dos diálogos foi desmentido. E que os áudios "são tão evidentes que dispensam qualquer tipo de perícia".
O ministro ainda avaliou que magistrados podem, sim, considerar fatos supervenientes ao julgar um processo. Citou que, conforme o Código de Processo Civil, fatos notórios independem de prova. E ressaltou que há diversos precedentes que permitem o uso de prova ilícita em favor do réu.
Produção de provas
Nesta terça-feira (23/3), a 2ª Turma do Supremo retomou o julgamento da suspeição do ex-juiz, suspenso desde 9 de março por pedido de vista de Nunes Marques.
No voto-vista, o ministro considerou que Moro não poderia ser declarado suspeito com base em material ilegal, como as conversas hackeadas de autoridades.
"Seria uma grande ironia aceitarmos provas ilícitas, resultantes de um crime, para apurar outro crime: dois erros não fazem um acerto. A Constituição garante a todos os brasileiros, indistintamente, que são inadmissíveis nos processos as provas obtidas por meios ilícitos."
Além disso, Nunes Marques afirmou que o Habeas Corpus não serve para avaliar a suspeição de magistrado. Afinal, para isso, é preciso produzir provas e abrir o contraditório para o juiz — medidas incabíveis em HC.
O ministro destacou que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou três exceções de suspeição apresentadas pela defesa de Lula contra Sergio Moro. Com isso, sustentou, tais alegações não podem voltar a ser feitas pelos advogados do petista.
Antes dele, os ministros Luiz Edson Fachin e Cármen Lúcia, em 2018, tinham se pronunciado contra a suspeição. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, por sua vez, entenderam que Moro era suspeito.
No entanto, Cármen indicou na sessão anterior que pretendia se manifestar novamente e acabou mesmo mudando seu voto.
Além da parcialidade, deve ser votada uma questão de ordem da defesa de Lula. Nela, os advogados do petista pedem que o HC em que ficou decidida a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-presidente seja distribuído à 2ª Turma, não ao Plenário do Supremo.
Idas e vindas
Paralisado desde 2018, a suspeição de Moro voltou para a pauta do Supremo em 9 de março. Um dia antes, o ministro Luiz Edson Fachin decidiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba, que tinha Moro como titular, é incompetente para processar e julgar os casos do tríplex do Guarujá (SP), da chácara de Atibaia (SP), além de dois processos envolvendo o Instituto Lula.
Com isso, as condenações do ex-presidente foram anuladas e ele voltou a ter todos os seus direitos políticos, se tornando novamente elegível. Os autos, que estavam no Paraná, foram enviados para a Justiça Federal do Distrito Federal, por ordem do ministro.
Depois da decisão, Fachin declarou que a suspeição de Moro tinha perdido o objeto. O ministro quer preservar o "legado" da "lava jato" e evitar que a discussão sobre a atuação de Moro contamine os demais processos tocados pelo Ministério Público Federal do Paraná.
Ao anular as condenações do ex-presidente, Fachin declarou "a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos da denúncia". Ou seja, o ministro encontrou uma forma de manter válidas as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões.
Como os autos foram enviados à Justiça Federal no DF, o juiz que se tornar responsável pelos casos do ex-presidente ainda poderia usar os dados colhidos durante as investigações conduzidas por Moro, segundo a decisão de Fachin. No entanto, se Moro for declarado suspeito, o que ocorreu posteriormente, isso não será mais possível, já que as provas estariam "contaminadas".
HC 164.493
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Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Luiza Calegari é editora da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2021, 17h44
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