Medicamentos comprovadamente ineficazes contra Covid-19, como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e anticoagulantes, podem estar causando efeitos colaterais nos rins, no coração e no fígado dos pacientes. É o que dizem médicos ouvidos em duas reportagens do Estadão e uma da BBC Brasil.

primeira reportagem do Estadão conta que cinco pacientes com diagnóstico de Covid-19 fizeram uso de ivermectina e tiveram problemas de fígado que os levaram a necessitar de transplantes do órgão. Quatro entraram na fila de transplante do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo — dois morreram antes de conseguir fazer a operação. O quinto paciente espera por um fígado no Hospital das Clínicas da Unicamp. Há também um relato de óbito por doença hepática aguda em Porto Alegre.


Medicamentos comprovadamente ineficazes contra Covid-19, como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e anticoagulantes, podem estar causando efeitos colaterais nos rins, no coração e no fígado dos pacientes


Médicos ouvidos pela reportagem dizem que as lesões no fígado são incompatíveis com a Covid-19, que causa trombos, como são chamadas as coagulações de sangue nos vasos. A destruição de vias biliares encontrada nesses pacientes é um sinal de hepatite medicamentosa. O uso de dosagens altas e a interação entre os remédios pode levar a fibroses, que destroem esses dutos responsáveis pelo transporte da bile.

segunda reportagem do Estadão traz um relato de insuficiência renal causado por omeprazol — embora raro, o risco desse efeito colateral existe. O remédio foi indicado para conter efeitos colaterais do antibiótico azitromicina, que vem sendo receitado contra Covid-19 por alguns médicos, mas não tem eficácia comprovada em casos dessa doença.

O texto também traz relatos de hemorragias gástricas e pulmonares em pacientes com Covid-19 que passaram a fazer uso do anticoagulante enoxaparina após recomendação médica — também não há comprovação científica do benefício do medicamento nesses casos.

Na reportagem da BBC, especialistas alertam que o uso indevido desses medicamentos pode afetar a sobrevida dos pacientes que desenvolvem a forma grave da Covid-19, que requer hospitalização, pois as substâncias podem causar hepatite, problemas renais, infecções bacterianas, gastrite e diarreia, piorando o quadro geral de saúde.

Além disso, o uso do chamado “kit Covid” faz muitas pessoas se sentirem seguras e não procurarem atendimento médico mesmo diante da piora de sintomas. Os médicos ouvidos pela BBC dizem que pacientes deixam de ir ao hospital quando ainda poderiam usar algum método não-invasivo para auxiliar na respiração. Ao procurarem atendimento, já estão com os pulmões muito lesionados e precisam ser intubados.

Outro aviso que os especialistas dão é relacionado ao uso de corticoides, que foram adicionados recentemente ao chamado “kit Covid”. Estudos mostram que eles são indicados para pacientes já hospitalizados com Covid-19, mas não para quem tem sintomas leves. Um dos motivos para isso é que eles podem baixar a imunidade e levar a infecções bacterianas mais graves.

A insistência do Ministério da Saúde, do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores nas redes sociais no chamado “tratamento precoce” com medicamentos comprovadamente ineficazes para Covid-19 tira foco e recursos de outras estratégias. Medicamentos necessários para pacientes hospitalizados, por exemplo, estão em falta nas últimas semanas.

A ivermectina — medicamento indicado para tratamento de sarna e piolho — não tem eficácia comprovada contra Covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Food and Drug Administration (agência dos EUA para medicamentos e alimentos) não recomendam seu uso para fins que não estão especificados em bula. Já a indicação de cloroquina e a hidroxicloroquina para prevenção ou tratamento de Covid-19 foram descartadas em estudos clínicos de qualidade e não são recomendadas pela OMS.